Alerto de antemão: este material contém spoilers da obra e traz uma análise sobre o “assalto” de atenção que ocorre em diversos arcos do filme.
Depois de tanta espera, os fãs finalmente puderam contemplar três frentes de batalha: Giyu e Tanjiro; Zenitsu; e Shinobu (essa última, vale lembrar, ainda não foi concluída). Cada uma dessas batalhas apresenta uma simbologia maravilhosa, que centraliza as características poéticas dos personagens ao longo do roteiro.
- A redenção de Giyu
Primeiro, temos Giyu, marcado pela síndrome do sobrevivente. Ele sente que não merece viver, pois foi salvo tantas vezes pelo melhor amigo e pela irmã. Agora, finalmente, se depara com a possibilidade não só da morte, mas também da redenção.
Se antes foi resgatado em momentos cruciais, agora ele mesmo salva – junto de Tanjiro – e também é salvo pelo pupilo. Essa troca constante, golpe após golpe, traz um sentido profundo: a vida é feita de ciclos, um dia você é salvo, no outro você salva. É um choque poético para alguém que se sente vazio e perturbado por apenas existir.
E é justamente esse Giyu, que nem se considera digno de ser um Hashira como os outros, quem chama a atenção de Akaza – o verdadeiro ladrão do filme.
Digo ladrão porque Akaza “rouba” boa parte da obra: o flashback de sua vida, sua visão de mundo, sua forma de lutar e até sua “redenção” transformam a batalha num espetáculo à parte. Não considero isso ruim: ele ganha o público e praticamente faz o filme girar em torno dele.
Esse embate é sobre personagens que precisam revisitar o passado para entender o presente.
- - Tanjiro descobre na história do pai a chave da vitória;
- - Giyu aprende a olhar para si mesmo como alguém que também salva vidas, assim como sua irmã e o melhor amigo;
- - Akaza reencontra sua razão de viver.
- Zenitsu e a síndrome do impostor
A segunda batalha, igualmente simbólica, é a de Zenitsu contra Kaigaku, seu antigo “irmão de criação” e colega de mestre. Aqui, o roteiro mergulha em outra dimensão psicológica: a síndrome do impostor.
Zenitsu passou a série inteira acreditando em todos, menos em si mesmo. Sua falta de fé o tornava inerte e até inútil em alguns momentos, sustentando o papel de “chorão medroso” e alívio cômico da obra. Seu verdadeiro poder só aparecia quando ele estava dormindo – quando sonhava em ser forte, proteger os outros e ser útil.
O único em quem ele depositava fé incondicional era o Avô, que acreditava nele quando ninguém mais acreditava. Após a tragédia de ver um de seus pupilos virar oni (Kaigaku), o velho se suicida, tomado pela vergonha e culpa.
Kaigaku conhecia todas as técnicas, exceto uma. Zenitsu, por outro lado, só dominava a única técnica que o outro desconhecia. De um lado, a arrogância e a sede insaciável de poder; do outro, o vazio da incompletude. Dois opostos que deveriam ser complementares.
E é aí que a obra brilha: Zenitsu finalmente desperta. Seu olhar ao cair no Castelo Infinito, sua voz firme, sua postura – tudo mostrava que o alívio cômico tirou férias. Ferido pelo ódio e pela dor de vingar o mestre, ele revela quem realmente é quando está sonhando.
Apesar da luta curta, a resposta vem clara: o vazio de Zenitsu se preenche ao criar sua própria técnica, seu próprio caminho, rompendo o peso dos antepassados.
O reencontro com o avô, rápido como um raio, foi outro ponto alto da emoção.
- Shinobu, Douma e as contradições
Por último, temos a batalha ainda em andamento: Douma contra Shinobu, Kanao e Inosuke. Eu gosto de enxergá-la como a luta das contradições poéticas.
Na primeira camada, temos os dogmas religiosos de Douma – que se vê como um santo – contra a ciência de Shinobu, sempre baseada em venenos, poções e inteligência. Essa disputa levanta a questão de como a ciência vence o dogmatismo, passo a passo.
Na segunda camada, a poética da família ausente contra as sobras de uma família que preenche.
- - Douma cresceu cercado por pessoas que o adoravam, mas sem amor genuíno – uma multidão vazia.
- - Do outro lado, Kanao, Shinobu e Inosuke tiveram suas famílias destruídas pelos onis, mas, da ausência, criaram laços que deram sentido à vida.
Essa batalha ainda se desdobra e deve ganhar força nos próximos filmes, então nada de spoilers pra quem não leu o mangá.
- Conclusão
Demon Slayer: Castelo Infinito se consolida como uma narrativa de combates emocionantes, animações belíssimas e, acima de tudo, histórias carregadas de simbologia poética.
Delano Amaral 4.5
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