Como Treinar o Seu Dragão 3: O Mundo Oculto | O que dizer do último filme da franquia?

Como Treinar o Seu Dragão 3: O Mundo Oculto | O que dizer do último filme da franquia?


O terceiro e último filme da franquia inspirada na obra de Cressida Crowel, How To Train Your Dragon, mais uma vez tem direção e roteiro de Dean Deblois, que comandou os dois anteriores e também a série Dragons: Race to the Edge, que traz outras aventuras do universo de Crowel. Nesta nova trama, todo o encanto trazido dos livros para o primeiro filme (2010) permanece intacto e ainda mais cativante. A aposta de Deblois não é apenas inovação nem extravagância de efeitos visuais e sonoros, o que costuma aparecer como ponto forte de muitas animações e em alguns casos acaba se sobrepondo ao conteúdo em si. – Se acalme! Não queremos dizer com isso que Como Treinar o Seu Dragão 3: O Mundo Oculto seja inferior em qualidade nesse aspecto. Muito pelo contrário, continua sendo uma das melhores criações da Dream Works. Mas se Dean Deblois aprendeu lições inestimáveis com Crowel, uma delas talvez seja: o que acontece é tão importante quanto como acontece.

E o produtor Brad Lewis (Ratatouille, 2007) entende muito bem dessa relação, pois seu trabalho em animações como Ratatouille, de 2007 e Cegonhas: A História que Não Contaram, de 2016, são outros exemplos incrivelmente bem construídos nesse aspecto. Mas um dos pontos mais fortes da produção de Como Treinar o Seu Dragão 3 está onde os olhos não podem ver: a trilha sonora. Enquanto a maioria dos fãs se apaixona pela participação especial de Ed Sheeran com a canção “Castle On The Hill”, que também é incrível, meus ouvidos atentos de músico me direcionam para um verdadeiro tesouro no filme: a trilha impecável de John Powell, o gênio por trás de Kung Fu Panda, Happy Feet, Bolt e Rio. Neste último filme, Powell mantém seu estilo nascido de inspirações nas mais diversas culturas ocidentais e orientais, e aposta, para a batalha principal, em uma orquestra sinfônica com um grandioso coral com estética da música modal profana que nos insere na cena como se estivéssemos vivendo cada emoção ao lado dos heróis.

Soluço (Jay Baruchel) e Banguela encaram dois novos desafios: um que envolve a ganância humana, trazido por Grimmel (F. Murray Abraham), lendário caçador de dragões cujo objetivo principal de sua vida é eliminar todos os fúrias da noite, raça de nosso herói Banguela, e se une a outros lordes vikings que criam e contrabandeiam dragões para suas guerras; e outro trazido por Fúria da Luz e Astrid (America Ferrera), pares românticos dos protagonistas, que apresentam o amor e seus dilemas aos dois que, até então, desconheciam. Ora, amor e guerra, mesmo em planos diferentes, estão sempre filosoficamente tão próximos que, por vezes, estratégias e prazeres de um se aplicam ao outro. E quando se misturam, duras escolhas precisam ser tomadas.

A nova ameaça obriga Soluço, rei de Berk, a buscar um novo abrigo para seu povo e os dragões onde ninguém os encontre e possam viver todos em paz. Mas será que esse lugar existe? Será há  mesmo um novo lar? E como fazer isso? No primeiro filme, o grande desafio de Soluço era mostrar ao mundo que os dragões eram criaturas adoráveis e não malignas, como se fazia pensar por sua aparência grotesca e poder de destruição que deram origem às grandes lendas vikings. O segundo trouxe uma grande amostra do poder da amizade e da confiança entre os homens e os lagartões, quando juntos conseguem deter perigos até então adormecidos, que ameaçavam a existência de ambas as criaturas. Neste terceiro, que encerra o ciclo, os criadores trazem uma lição um tanto contraditória às anteriores: o mundo ainda não está preparado para conviver em harmonia.

Esta nova crítica é dolorosa, visto que o que mais se prezou ao longo da obra foi a construção de uma sociedade constituída de dragões e humanos. Porém, esse ponto de vista é aceitável, pois não é colocado de qualquer maneira. Em harmonia musical ocidental, a construção dos discursos se dá por meio de repousos, afastamentos, tensões e resoluções que se apresentam em forma de consonâncias e dissonâncias. Essa estrutura está presente, na verdade, de outras maneiras em todas as artes, e é inspirada nos acontecimentos da vida em sociedade, nas relações entre as pessoas e as coisas.

Em literatura e cinema não poderia ser diferente, e o fio condutor de toda a trama de Crowel, com seus altos e baixos dessa relação inusitada entre espécies diferentes, nos leva muito bem a este fechamento, porque toda a franquia de Como Treinar o Seu Dragão traz um belo arranjo de enredo, roteiro, som e imagem que explora com inteligência a apresentação das personagens e as inconstâncias da paz e da guerra no mundo viking, trazendo críticas e reflexões que abrangem questões relacionadas a preconceito, gênero, visões de mundo, política e até religião, quando a crença nórdica numa terra plana que se quebra ao encontrarem a misteriosa queda d’água que marcaria os limites da terra, e na verdade é uma gigantesca cratera no meio do oceano. Inocente no olhar raso e sábio no mergulho profundo, o terceiro filme deixa para os fãs orgulho, inspiração e saudade. Histórias de dias nefastos e promessas de dias melhores foram os condutores até agora. E apesar de uma divisão indesejável, a esperança, na humanidade e nos dragões, é a chave que fecha os portões da trilogia. Assim, o último filme, épico, encerra a franquia como o que a começou: encantador.




  1. INFORMAÇÕES
Título original: How To Train Your Dragon: The Hidden World
Data de lançamento: 17 de janeiro de 2019 (1h 34min)
Direção: Dean DeBlois
Elenco: Jay Baruchel, America Ferrera, F. Murray Abraham
Gêneros: Animação, Família, Aventura
Nacionalidade: EUA
Distribuidor: UNIVERSAL PICTURES
Ano de produção: 2019

Professor de música, semioticista, crítico de cinema, comedor de cuscuz e ouvidor de baião.


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