ALPHA | Vale ou não a pena assistir?

ALPHA | Vale ou não a pena assistir?


No filme, Kodi Smit-McPhee (X-Men: Apocalipse, 2016) interpreta Keda, um jovem tímido e medroso que é filho de Tau (Jóhannes Haukur Jóhannesson), o chefe de sua tribo. Tau, Keda, Xi (Jens Hultén) e alguns guerreiros enfrentam uma jornada perigosa, que se repete a cada inverno, em busca de caça para alimentar a tribo. O alvo são bufalos que pastam em uma região além das montanhas.

Na primeira grande caçada após a viagem, Keda é ferido por um dos animais do rebanho, cai de um penhasco e é tido como morto por seus companheiros. Então, precisa enfrentar sozinho os perigos do lugar e encontrar uma maneira de voltar para casa. Em um de seus apuros, é encurralado por lobos. Na luta, fere um deles com sua faca, mas invés de matar o animal, acaba cuidando dele até que se recupere. Surge então, a amizade prometida pelo cartaz.

Com o produtor Andrew Rona (O Passageiro, 2018) e o diretor de fotografia Martin Gschlacht (Procurando por Oum Kulthum, 2017), o longa é bem trabalhado nas paisagens, com filmagens espetaculares no Canadá e Islândia e efeitos especiais de acabamento moderno e cores bem arranjadas, a produção harmoniza bem com a proposta, mas entra em disjunção constante com o roteiro de Albert Hughes (O Livro de Eli, 2010), idealizador da obra, resultando em cenas que prometem elegantemente boas doses de ação e suspense, mas caem por terra quando qualquer um dos personagens abre a boca, quase sempre com orações curtas, raramente bem desenvolvidas; decepcionantes.

A meu ver, então, o tema, a proposta, o contexto e a boa produção pedem e merecem um filme mudo, com maior aproveitamento de gestualidades, pois absolutamente nenhuma das falas das personagens no longa contribui verdadeiramente para a construção do enredo; são, na verdade, uma mistura de provérbios batidos de biscoitos da sorte com frases de efeito de Sessão da Tarde que apenas acompanham as trajetórias já previsíveis em si mesmas. Por outro lado, um investimento maior nas gestualidades e expressões dos personagens traria envolvimento maior do público, sobretudo pelo fato de que se passa em um momento da história humana em que a língua oral e escrita seria, supostamente, bastante limitada em vocabulário.

Outro fato estranhamente sobrecarregado que atrapalha significativamente o potencial do enredo é o cansativo apelo emocional que, de tão clichê, em nenhum momento consegue o que pretende... e fica ainda mais difícil lidar com isso quando paramos para refletir sobre o fato de que uma história que se passa 20 mil atrás carrega nas personagens todo o sentimentalismo do século XIX – felizmente, sem par romântico [de humanos].

Tau, pai de Keda, parece sempre contradizer os próprios conselhos, orientando o filho sobre como um líder deve agir, mas faz o oposto: exige rigidez, força, frieza e sangue no olho, mas chora por um dia e uma noite na beira do penhasco. É justamente nesse momento, embalados pelas afirmações anteriores de Tau, que esperamos ver um antagonista dentre os tribais, mas este não surge, dando mais uma situação brochante. E falando em contradições estranhas, Rho (Natasha Malthe), mãe de Keda, usa pelo menos três vezes a frase “ele lidera com o coração, e não com a lança”, mas em nenhum momento do filme Keda é submetido a situações de liderança na tribo. A menos que se queira considerar a cena, também fracassada e boba, em que ele tem de matar um javali já capturado e, adivinha? não consegue. É esta a única cena que justifica sua fala.

Além de tudo isso, outras cenas são desnecessárias, imaturas ou mal conduzidas, e não fazem jus à filmografia do diretor e produtor, como (SPOILER!): da despedida entre Keda e a loba, que em seguida retorna de maneira aceitável, mas sem um motivo envolvente e convincente (mas que tem uma linda cena no gelo); e a cena final, em que a loba tira 4 ou 5 filhotes de um ventre que não aparentava ter nem uma colher de arroz dentro. Isso deixa a dúvida se fazia parte da ideia original ou foi concebida nos últimos momentos de filmagem. Na verdade, a rigor, o enredo encerra quando Keda retorna à vila com a loba nos braços. O acréscimo da curandeira, dos filhotes e do pôr do Sol são claramente, então, para encher linguiça.

Em suma, o cartaz promete uma mistura de 10.000 antes de Cristo com Marley e Eu, mas acaba se mostrando um filme família inferior de Sessão da Tarde com cenas arrastadas e sonolentas, com uma aventura de riscos isolados e pouco desenvolvidos, sem nunca dar a sensação de perigos constantes – que deveria ser a ideia.

A trama começa relativamente bem e despenca com uma sucessão de fragilidades e frustração de expectativas até que, simplesmente, acaba sem surpreender em nenhum aspecto. Então, convida muito bem, mas, uma vez na poltrona, a meio saco de pipoca, percebemos que não vale a pena.


Professor de música, semioticista, crítico de cinema, comedor de cuscuz e ouvidor de baião.


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